Como ocorre a fissura labiopalatina?
A fissura labiopalatina, como já mencionado, representa um dos defeitos congênitos mais comuns na região facial. A população amarela é a mais afetada, com uma incidência de um caso a cada 600 nascimentos, enquanto a menor prevalência é observada entre pessoas negras, com uma proporção de 1:1.100.
Em grande parte dos casos, não há comprometimento cognitivo associado à fissura labiopalatina. No entanto, a deformidade pode estar relacionada a aproximadamente 100 síndromes, incluindo a síndrome de Down.
Conforme detalhado no artigo “O papel do cirurgião-dentista na abordagem do paciente com fissura labiopalatina”, o desenvolvimento fetal envolve a fusão de diferentes partes do rosto que inicialmente se formam separadamente. Distúrbios nesse processo podem resultar em má formação e fissuras.
Assim, a fusão inadequada entre o maxilar e as saliências nasais mediais ou os processos palatinos pode originar diversos tipos de fissuras, apresentando-se de forma unilateral ou bilateral.
A fissura de lábios e palato pode manifestar-se isoladamente, simultaneamente ou combinada com outras malformações, determinando diferentes graus de gravidade no paciente fissurado.
Etiopatogenia da fissura labiopalatina
Ao considerarmos a etiopatogenia dessa anomalia, é crucial contemplar três fatores: genéticos, ambientais e múltiplos.
Fatores genéticos:
- Pais sem fissura: 0,1%
- Apenas um dos pais: 2%
- Pais sem fissura, mas com um filho fissurado: 4,5%
- Um dos pais com fissura + um filho fissurado: 15%
Importante ressaltar que, conforme as porcentagens indicam, não há uma obrigação de recorrência da fissura labiopalatina. Ou seja, a presença da anomalia em um filho não implica necessariamente que outros filhos também a desenvolverão.
Fatores ambientais: Ao analisar o histórico do paciente, é fundamental considerar os fatores ambientais, como doenças infecciosas (sífilis, rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus), distúrbios endócrinos e nutricionais (diabetes, hipotireoidismo, hipervitaminose A, baixa ingestão de nutrientes), e exposição a substâncias como álcool, cigarro, fármacos, e produtos químicos.
A atenção durante a gestação é crucial para evitar contribuições externas que possam resultar em malformações. A genética materna desempenha um papel significativo na absorção e processamento do ácido fólico, essencial para a formação genética adequada.
Outros fatores, como o uso de certos fármacos, consumo de álcool e tabaco, exposição a substâncias químicas industriais e agrícolas, além da idade materna e paterna avançada, também são contribuintes.
A classificação das fissuras labiopalatinas, conforme proposto por Spina (1972), divide-se em três grupos: fissuras pré-forame incisivo, fissuras transforame incisivo e fissuras pós-forame incisivo, cada um com suas subdivisões específicas.
Fissuras pré-forame: Este grupo engloba fissuras labiais unilaterais, bilaterais e medianas, limitando-se ao palato primário sem ultrapassar o forame incisivo. A aparência no lábio superior é discretamente cortada.
Fissuras transforame incisivo: Neste segundo grupo, encontramos fissuras mais graves que abrangem total ou simultaneamente o palato primário e secundário, podendo ser unilaterais ou bilaterais. Afetam lábio, arcada alveolar e palato.
Fissuras pós-forame incisivo: O último grupo compreende fissuras no palato, geralmente localizadas de forma mediana, na úvula ou em outras partes do palato mole e duro. Nesse caso, lábios e dentes permanecem intactos.
Fissura labiopalatina: tratamento multidisciplinar
Conforme abordado no artigo “O papel do cirurgião-dentista na abordagem do paciente com fissura labiopalatina,” é fundamental que o tratamento seja dividido em três fases: pré-cirúrgica, cirúrgica e pós-cirúrgica.
Na primeira fase (1ª semana ao 3º mês), a família recebe informações e suporte psicológico e de assistência social. A equipe multidisciplinar de saúde inicia sua atuação, com pediatras avaliando o equilíbrio sistêmico, fonoaudiólogos trabalhando na sucção do bebê e odontopediatras realizando procedimentos preventivos e educacionais.
Simultaneamente, o cirurgião-dentista e o protesista podem atuar na confecção de uma placa acrílica para vedar a fissura e facilitar a alimentação do bebê. Terapeutas ocupacionais e nutricionistas também auxiliam com técnicas para a alimentação do paciente.
Na segunda fase (6º ao 12º mês), avaliam-se as condições de saúde do bebê. Caso esteja tudo bem, o cirurgião-plástico realiza a queiloplastia, seguida, entre o primeiro e o 15º mês, pela palatoplastia.
Do terceiro ao quinto ano de vida, a criança recebe acompanhamento da equipe multidisciplinar, composta por diversos profissionais, incluindo pediatras, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas, periodontistas, odontopediatras, ortodontistas, protesistas, enfermeiros, otorrinolaringologistas, e especialistas em refinamento cirúrgico.
A partir dos sete ou oito anos, o paciente passa por procedimentos preventivos na dentadura mista. Até os nove anos, ocorre o crescimento craniofacial, e, portanto, é o momento de realizar o enxerto ósseo secundário.
Dos nove aos 16 anos, o tratamento corretivo ortodôntico é realizado, e entre os 13 e 18 anos, se necessário, a cirurgia ortognática.
Atuação do cirurgião-dentista
Dada a natureza da anomalia na região facial, o papel do cirurgião-dentista é vital, acompanhando o paciente desde os primeiros meses até a fase jovem adulta.
Pacientes com fissura labiopalatina requerem tratamento odontológico por especialistas diversos para prevenir e corrigir manifestações adversas decorrentes da fissura.
Conforme destacado no artigo “A ortodontia na atenção multidisciplinar na saúde do paciente fissurado”, as fissuras impactam o desenvolvimento dos dentes decíduos e permanentes, podendo resultar em ausência congênita de dentes, dentes supranumerários, microdentes, erupção dentária ectópica, dentes natais, neonatais e intranasais, atraso na erupção e formação dentária, e, ocasionalmente, anodontia.
Essas ocorrências frequentemente levam a más oclusões, mordidas cruzadas anterior e posterior na dentadura decídua, além de problemas de cárie e periodontais.
Abordagem pela odontopediatria
A odontopediatria desempenha um papel fundamental na manutenção, estabelecimento e preservação da saúde bucal do paciente, enfocando a atenção precoce educativa-preventiva.
Essa etapa é crucial para prevenir diversas complicações desde cedo, como problemas de gengivite. Além disso, o odontopediatra trabalha na preservação do osso na área da fissura e na redução dos riscos de infecções e complicações pós-operatórias.
Abordagem na ortodontia
Na ortodontia, o enfoque é na ortopedia pré-operatória, visando auxiliar o desenvolvimento e crescimento maxilomandibular. Conforme destacado no artigo “A ortodontia na atenção multidisciplinar na saúde do paciente fissurado”, recomenda-se a colocação de uma placa palatina para auxiliar na alimentação e sucção, além de corrigir aproximações dos rebordos maxilares.
Em casos envolvendo o rebordo alveolar, atenção especial é dada ao enxerto ósseo alveolar secundário.
O tratamento ortodôntico em pacientes fissurados atua de forma pré-operatória.
A abordagem odontológica é essencial para o tratamento da fissura labiopalatina, e, portanto, esse acompanhamento deve começar o mais cedo possível. Cirurgiões-dentistas, devido ao papel crucial, devem se manter atualizados sobre o assunto e explorar constantemente novidades e tecnologias para oferecer uma melhor qualidade de vida aos pacientes.